História da Gurgel: ascensão e queda da montadora nacional
A história da Gurgel é um capítulo único da indústria automobilística: a montadora 100 % brasileira desafiou gigantes globais, lançou o primeiro carro elétrico da América Latina e prometia veículos acessíveis ao trabalhador. Mas em poucos anos foi de símbolo de orgulho nacional a caso clássico de falência. Neste artigo você vai entender as origens, as inovações e os erros que explicam o destino da empresa de João Gurgel.

1. Do sonho de João Gurgel ao Ipanema
- João Augusto Gurgel, engenheiro formado na USP, fundou a Gurgel em 1969 após experiências na General Motors.
- O Ipanema foi o primeiro modelo: apenas quatro unidades/mês, mas abriu caminho para versões off-road com o sistema Selectraction, solução genial para terrenos acidentados.
2. Inovação elétrica antes de seu tempo
- Em 1974 surge o Gurgel Itaipu, primeiro carro elétrico brasileiro, com autonomia de 60 km.
- Apesar de pontos de recarga na cidade de Rio Claro, altas baterias e falta de incentivos fiscais tornaram o projeto inviável.
- A linha elétrica continuou com o Itaipu E400 e a picape Taimã E250, mas custos dobravam o preço de uma Kombi.
3. Auge utilitário: Xavante, Tocantins e Carajás
- Os jipes robustos Xavante/X12 (depois Tocantins) garantiram contratos com o Exército.
- O Carajás (1984) virou o 4×4 de quatro portas mais confortável da marca, permanecendo até 1994.
- Enquanto isso, o modelo XEF fracassou por má ventilação e design genérico.
4. O carro popular que virou armadilha: BR-800
- Idealizado para custar metade de um Fusca, o BR-800 recebeu IPI reduzido de 5 % — exclusividade que incomodou Fiat, Volkswagen, Ford e Chevrolet.
- Problemas mecânicos, ergonomia ruim e a exigência de comprar ações para ter o carro afastaram clientes.
- Em 1990 o governo Collor cortou o incentivo; a Fiat lançou o Uno Mille com preço competitivo, minando a vantagem da Gurgel.
5. Projeto Delta e a espiral de dívidas
- João Gurgel buscou nova fábrica no Ceará para o “carro de R$ 5 mil”, mas dependia de empréstimos do BNDES e incentivos estaduais que nunca chegaram.
- Greves alfandegárias, fornecedores pressionados por montadoras estrangeiras e atrasos salariais levaram ao pedido de concordata em 1993.
- Tentativas de joint-venture com investidores irlandeses falharam; a produção parou definitivamente em 1996.
6. Legado e lições
Mesmo após vender cerca de 40 mil veículos, a montadora encerrou atividades com dívidas milionárias. Ainda assim:
- Popularizou o conceito de carro elétrico no Brasil décadas antes de Tesla e BYD.
- Provou que inovação nacional é possível, mas requer escala, gestão de custos e apoio político coerente.
- Inspirou entusiastas que hoje restauram modelos Gurgel e mantêm a marca viva em clubes e museus.
Conclusão
A história da Gurgel revela a coragem de enfrentar monopólios, mas também a importância de planejamento financeiro, política industrial estável e foco na qualidade do produto. Entre feitos visionários e equívocos estratégicos, a Gurgel deixou um legado de orgulho automotivo brasileiro que ainda desperta nostalgia e admiração.